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  • Foto do escritorIpê Produções

pesca artesanal, um olhar de perto

Atualizado: 20 de jan. de 2018

Contribuindo para a Meta 19 do Plano Municipal de Cultura, esta pesquisa de patrimônio cultural imaterial vai mapear os usos, as funções e as significações simbólicas, estético e sociais do trabalho com a pesca artesanal nas Comunidades da Ilha do Amaral, Comunidade pesqueira do Bairro Espinheiros e Comunidade da Vigorelli - os modos de fazer, de se organizar e de repassar ofícios – suas manifestações musicais, festas e celebrações religiosas, seus lugares de memória, seus espaços sociais e culturais.

De acordo com Sandra Pelegrini * patrimônio é todo conhecimento que

uma sociedade produz e possui de si mesma, assim como as formas de se conceber e de se posicionar diante de outras, sua maneira de existir, acreditar, manifestar seus saberes, organizar suas cerimônias coletivas, suas festividades, a manutenção de suas tradições, o uso de suas técnicas e experiências. Tudo o que tem significado e dá sentido à sua vida individual e à identidade coletiva.

Artesanal é a pesca que se realiza única e exclusivamente pelo trabalho manual do pescador – mesmo em todas as variantes de espera. Nela a participação do homem em todas as etapas e manipulação dos implementos e do produto é total, ou quase total, prescindindo-se de tração mecânica no lançamento, recolhimento e levantamento das redes ou demais implementos.

Baseada em conhecimentos transmitidos ao pescador por seus ancestrais, pelos mais velhos da comunidade, ou que este tenha adquirido pela interação com os companheiros no ofício. É sempre realizada em embarcações pequenas (botes e canoas) a remo ou a vela ou mesmo motorizadas, sem instrumentos de apoio à navegação, contando para a operação tão-somente a experiência e o saber adquiridos – a capacidade de observação dos astros, dos ventos e das marés. Não se apoia na grande produção ou na estocagem.

Enquanto conceito de atividade, o Código de Pesca de 1967, define pescador

como aquele que faz da pesca sua profissão ou principal meio de vida, podendo atuar no setor pesqueiro industrial e artesanal. Para Diegues ** pescadores artesanais podem ser definidos como aqueles que, na captura e desembarque de toda classe de espécies aquáticas, trabalham sozinhos e/ou utilizam mão-de-obra familiar ou não assalariada, explorando ambientes ecológicos localizados próximos à costa, pois a embarcação e aparelhagem utilizadas para tal possuem pouca autonomia.

A pesca em si não é somente uma atividade econômica, mas também é onde homens cultivam saberes e culturas distintas, onde além das relações capitalistas de produção existem cultura e relações diversas: um cotidiano peculiar. É este cotidiano que nos interessa no projeto.

No cotidiano o pescador cria uma relação íntima com tudo o que as águas possam lhe oferecer – o transporte de coisas, pessoas e ideias, o comércio, a pesca, o artesanato, enfim, a cultura material e imaterial – ou seja, uma série de significações e representações expressas em hábitos, valores, linguagem, artefatos, crenças e cerimônias, que constituem sua identidade beira-mar.

Para adentrar neste cotidiano, e ter elementos sólidos para um relatório se faz necessário a escuta, a sensibilidade para perceber o tempo, o gênero, o papel social e geracional que podem interferir nas memórias e na coletividade.

Os saberes destas comunidades se estabelecem entre as gerações e os gêneros: crianças, jovens, adultos e velhos partilham conhecimentos e significados que não podem ser inventariados quantitativamente. A feitura da rede, a referencia aos mitos e à religiosidade se misturam em suas narrativas, tudo faz parte de um patrimônio cultural que se manifesta pela memória, na permanência de uma tradição ainda conservada porque está carregada de sentidos de sobrevivência da coletividade.

Nesse sentido, as entrevistas realizadas com os moradores e a observação atenta ao cotidiano vivenciado por eles revela de imediato a necessidade de trabalhar com a tradição oral, ou seja, o mergulho dentro das comunidades em questão, tendo como um de nossos procedimentos a observação participante.

Esse tipo de investigação qualitativa que nos propomos a realizar exige longos períodos de observação, além de entrevistas abertas, temáticas, com estímulos aos narradores. Mais do que fatos, é preciso uma análise sobre os discursos dos narradores, com suas marcas: silêncios, reticências, distorções, mentiras, esquecimentos, valorizações, negociações e resistências.

Acreditamos que em nossos encontros não teremos apenas discursos sobre o trabalho e a sobrevivência, mas que os entrevistados em suas narrativas, suas palavras, irão nos revelar histórias fantásticas que permeiam a comunidade. Personagens místicos, tradicionalmente lembrados por velhos e crianças em rodas de conversas deverá emergir como elementos da identidade destas comunidades. Figuras sem forma que aparecem durante as pescarias para atrapalhá-los, vozes que conversam com os pescadores e os amedrontam. Assim como os famosos personagens da memória coletiva como o lobisomem, a boitatá, a bruxa, enfim, histórias que fazem parte do imaginário destas comunidades, histórias de medo e de risos, histórias só encontradas ali.

A religiosidade e os festejos são outros aspectos que com certeza irão aparecer nas narrativas, sendo uma marca coletiva. A religiosidade e as festas são mecanismos de unidade entre os atores sociais da comunidade.

As entrevistas permitirão perceber que a cultura imaterial não está dissociada da produção de bens materiais. Falar do mar e da natureza circundante é chamar a atenção para a relação intrínseca entre o ambiente e os narradores. Natureza e pescador é uma relação ininterrupta. Ao relatarem sobre sua convivência com a água o perigo e beleza da Baía Babitonga, sobre a pesca, sobre o tecer das redes, os sujeitos reconhecem na paisagem, na história e no tempo o elo emocional e as experiências que os fazem sentir-se parte de uma dinâmica específica da população beira-mar.

Mais do que um inventário, de caráter quantitativo, queremos através da História Oral levar em conta as subjetividades, as relações emocionais com a história, com a produção de bens materiais, com o meio ambiente, elementos continuamente recriados e fortalecidos de identidade destas comunidades.

O trabalho com História Oral não tem como objetivo tratar com informantes,

mas sujeitos pensantes, que não apenas nos fornecem dados sobre a história do lugar, as tradições e a vivência. Ouvi-los implica em romper com a posição de onisciência intelectual e a separação entre aqueles que narram e informam (os entrevistados) e aqueles que analisam (os intelectuais das instituições).

Com este trabalho poderemos contribuir para um levantamento e reconhecimento dos elementos da cultura e da existência das comunidades pesqueiras do Morro do Amaral, Espinheiros e Vigorelli. Como estes autores sociais pretendem a intervenção em seu cotidiano, sua tradição e o que querem preservar? Bens aparentemente insignificantes podem ganhar importância e significados na identidade coletiva. Poderá este projeto apontar um caminho para políticas públicas certeiras. Poderá revelar identidades não vistas dentro da Cidade de Joinville.

Ao final da pesquisa iremos produzir um Registro escrito e fotográfico sobre os saberes das comunidades pesquisadas, apontando no mesmo, pontos em comum entre as comunidades e suas particularidades, com a intenção de preservação, disseminação e acervo do patrimônio imaterial a cerca da Pesca Artesanal nas comunidades pesqueiras do Espinheiros, Morro do Amaral e Vigorelli.

*PELEGRINI, Sandra C.A. Cultura e Natureza: os desafios das práticas preservacionistas na esfera do patrimônio cultural e ambiental. Revista Brasileira de História. 2006

**DIEGUES, A.C. Biodiversidade e comunidades tradicionais no Brasil. Ministério do Meio Ambiente. 1999.

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